Quando resolvi deixar…

”Fui me deixando aos poucos. Deixei meu perfume em cada roupa, meu cheiro em cada ar, meu abraço em cada par, meu beijo em cada ilusão. Deixei minha fé em cada calçada, minha esperança em cada estrada, meu corpo em cada morada. Deixei até a deixa do destino, a mão do pai divino, as memórias de menino. Deixei, sobretudo, meus trechos sobre o mundo. Deixei, no entanto, meus rastros por entre os cantos. Fui deixando meu eu de tal maneira, tão rasteira, que na busca por mim mesmo, perdi a essência inteira. Deixei minha ida no reencontro da partida, minha volta na passagem perseguida, minha vida na última despedida. Esqueci de deixar, porém, tudo aquilo que me convém: levei comigo meu espírito renovado, meu desejo tão sonhado, meu poema realizado. Esse é o pouco que me restou. Isso foi a sobra que não me deixou.”

por: Kaio Lopes

Pedira a mim somente uma xícara de café

e propagara, desde cedo, sua absoluta fé

porque, pudera, irmão, era ti crente assumido

tornara-se santo sem clamor ou pedido

Ganhara, em vez da guerra, a luta pela paz

mostrara, entre feras, a virtude capaz

e na capacidade perpetuada em sua história

és, Jhonny, sagrada memória.

ÃO DE UM SÃO

O estribilho da canção

A água no verão

Terra fértil que acolhe o grão

Todo o contexto da situação

é o conjunto da prescrição

para o antibiótico da condição

faminta e sedenta apelação

em corrida atlética pela comissão

do simplório e nobre feijão

Miscelânea de AZ

Entre o artigo definido que dá início ao universo

e o zwingliano protestante Ulrico contra Martinho

está a dialógica variável com quem converso

e a infindável estrada do ininterrupto caminho

A ideia central do protesto pelo qual poetizo

prova, entretanto, que à Deus o mundo serve

O adjetivo inerente ao Zwinglio e ao batismo

encerra o inacabável e propala sua verve

LINHA TÊNUE

Tudo bem se no concurso eu perder

é o decurso do tempo, juro, tudo bem

Se eu ganhar no concurso, porém

é mérito do percurso, juro isso também

Terá sido, na perda, apenas disputa

Serás eu, ainda assim, perdedor que labuta

Terei tido, na vitória, a recompensa da luta

Seras eu, e sempre serei, poesia absoluta

CIDADE VIZINHA

A terra rasgada, de nome Sorocaba

manchou-se nas beiradas

conurbou-se por entre estradas

criou novas entradas

pontuou novas paradas

Rasgou de tal maneira o solo do tropeiro

que sua atividade primária virou setor terceiro

ainda assim, labuta em demasia seu povo guerreiro

porque és do interior o portentoso e pioneiro

JOGO DA VIDA

Tenho escrito para a vitória

para quando me laurear

eu souber como discursar

sem sequer titubear

Tenho falado sobre a derrota

para na hipótese de me humilhar

eu conseguir me explicar

e poder me envergonhar

No pódio ou fora do páreo

concebo qualquer cenário

porque a disputa não vale áureo

é o preço da vida e seu corolário

CURVAS MORENAS

Nos movediços e negros lençóis

distantes dos velhos faróis

entretido nos seus caracóis

alheio aos novos heróis

desabrochando os seus girassóis

suei, entre nós, o calor daqueles sóis

Ode a Edna

Uma certa pessoa, em linha reta

em que se expõe e lhe confessa

sobre a virtude tão egressa

de afirmar-se assim: poeta

Fingidor este da dor que deveras sente

e escritor do presságio intermitente

és Rei Álvaro ou Ricardo em campos

és Alberto (o Fernando) e outros tantos

Norte à Sul

Aquele maluco, seu mano em Sampa

é também seu brother no Rio

o guri, seu colega de Pampa

é piá no Sul do Brasil

Meu, em São Paulo, é lamento conciso

no Paraná é pronome possessivo

nossa Senhora, é tanta cultura da hora

Nu, nas Minas Gerais, é tu, nossa senhora

Diabéisso, seu cabra arretado

nós nordestinos, aqui do outro lado

vamos nos queixar quando aí desembarcar

se bem que queixa aí e apenas lamentar